Diante de um barril metálico de aproximadamente um metro de altura, o senhor Francisco Chagas solta um grito de estupefação. Os instantes que se seguem são de vibração e alegria.
Tamanho júbilo tem explicação e ela começa muito antes daqueles momentos de êxtase de Francisco. Ele é um dos beneficiados pelo programa que quer tornar a Ilha do Massangano, em Petrolina, um ponto de referência na degustação de uvas e vinhos de Pernambuco.
A terra do distrito às margens do São Francisco passa pelo mesmo processo de irrigação que alterou a economia da região. A lavoura, outrora castigada pela seca do Sertão Nordestino, ganha vida e frutos ao receber as águas do rio por meio de tubulações subterrâneas. Os trabalhadores locais, por sua vez, têm o suporte do Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, e recebem uma nova possibilidade de captação de recursos.
Há dois anos foi implantado o projeto piloto que deixa a cargo de 12 famílias selecionadas a produção, bem como os devidos rendimentos, das videiras. Lavoura usa sistema de irrigação. (Foto: Celia Santos)
As plantações de uvas não são novidade em Petrolina desde o início do processo de irrigação, nos anos 80. Entretanto, agora o sistema começa a ser adotado também na Ilha do Massangano com base na agricultura familiar.
A comunidade tem vida simples, ruas de terra, pessoas sentadas à sombra e crianças brincando. Esse ambiente atraiu Francisco Chagas, que passou a viver na Ilha e não mais se desvencilhou. Questionado sobre o que o levara a se fixar no distrito, ele mantém o tom oblíquo: “Uma coisa muito boa, que não vai me levar”, diz e se abstém de maiores justificativas.
Francisco Chagas, 60 anos, e o aparato que o fez soltar “pinotes” de alegria. (Foto: Celia Santos)
O produtor de uvas recém-encarregado é um admirador da cultura brasileira e suas origens. Encontrou na Ilha do Massangano uma das grandes expressões artísticas nacionais, o Samba de Véio. Sempre que a roda toca, ele ensaia um passo ao longe, mas prefere manter-se como alegre expectador a ousar na dança. Reserva as paredes da sala para as demais culturas que o influenciam. São cocares e adereços indígenas, carrancas e elementos africanos, berimbaus para o cantinho da Bahia e santos nos altares, dentre os quais São Francisco.
“A primeira vez que eu vi o suco dei foi um pinote de alegria. Um processo tão bobo. Achei massa” – Francisco Chagas, produtor agrícola.
As uvas são recolhidas das videiras e os baldes acomodados perto do barril metálico. Em um processo quase religioso, tamanho zelo, Francisco vai separando as frutas dos cachos e as depositando no pequeno tonel.
O aparato tem um compartimento onde é colocada a água fervendo, porém ela não entra em contato com a fruta, reservada à outra seção. É o vapor d’água o responsável por tirar o suco da uva, puro. O bagaço é recolhido posteriormente e destinado à preparação de geleia. Todos os procedimentos, inclusive receitas, foram ensinados às famílias selecionadas para o programa de implantação da agricultura familiar.
“Não pode passar dos 90 graus, se não fica caramelizada”, explica com ares de especialista embora seja a primeira vez que conduza o procedimento de preparação do suco sem auxílio dos especialistas.
Quando Francisco Chagas acionou a válvula e o líquido roxo ganhou a vasilha de vidro voltamos ao início desta narração.
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