Por Patrícia Secco
Convidada pelo Instituto Mpumalanga para escrever um pequeno texto sobre o Dia Internacional da Mulher, optei por apresentar um conto budista que conheci e reescrevi, há mais de 10 anos.
Simples e profunda, a história mostra que pontos de vista precisam ser flexíveis, mas mais do que isso, apresenta a alma resiliente das mulheres que incansavelmente procuram transformar o mundo em um lugar melhor e mais bonito para todos. Para todos.
Joana da Água
Joana tinha 19 anos e era a filha mais velha de dona Maria, mãe de três outras crianças, dois meninos e uma menina.
Todos os dias Joana acordava bem cedo, caminhava até o riacho fundo para pegar água. Levava sempre nos ombros um pedaço de bambu com dois latões amarrados, um de cada lado.
Por esta razão, todos a chamavam de Joana da Água.
Ninguém mandava Joana pegar água, ninguém pedia. Joana caminhava com o bambu nas costas porque sabia que sua mãe precisava de água para cozinhar e cuidar dos irmãos menores.
Joana adorava o caminho do rio. Por onde passava, encontrava pessoas que a cumprimentavam:
– Olá, Joana da Água! – diziam os amigos.
– Olá, bom dia! – respondia Joana.E seguia, feliz, seu caminho para o rio.
Chegando no rio, Joana enchia os latões e, alegre como sempre, voltava para casa, sorrindo, apreciando a vida e a natureza que o sol começava a colorir.
Entretanto, um dos latões que Joana carregava estava furado e vazava por todoo caminho. Quando Joana da Água chegava em casa, só restava um latão e meio de água para sua mãe usar na cozinha.
Muitas vezes, os amigos de Joana avisavam:
– Joana, seu latão está furado!
E, outras vezes, algumas pessoas zoavam:
– Joana, Joana, troque seu latão! Furado desse jeito, ele não presta mais não!
Mas Joana da Água, calma como sempre, respondia:
– Não se preocupem, amigos, o meu latão está ótimo!
Todos percebiam o esforço que Joana da Água fazia para carregar os latões. Mas ninguém compreendia por que ela não trocava seu latão furado, e isso era motivo de brincadeira por toda a cidade.
O Brasil tem muitas Joana’s de histórias semelhantes.
Um belo dia, cansados de ouvir a cidade caçoar de Joana, seus irmãos decidiram trocar o latão e, assim, fazer uma surpresa para ela. Entretanto, quando Joana da Água percebeua troca, chamou as crianças e perguntou:
– Queridos irmãozinhos, vocês sabem como eu gosto de ir todos os dias buscar água para vocês, não sabem?
– Sim, Joana, nós sabemos!
– E vocês também sabem que eu gosto muito do meu latão furado, não sabem?
– Sim, Joana, mas… Mesmo sabendo que você gosta muito do seu latão furado, nós não entendemos por que você o carrega assim, vazando por todo o caminho – disse o irmão mais velho.
– Isso mesmo, Joana. Você não percebe que o latão chega aqui quase vazio? – perguntou o irmão do meio.
– E que as pessoas até fazem piada de você, Joana? – perguntou a irmã caçula.
– Crianças, agradeço muito a preocupação de vocês. Obrigada. Mas eu não ligo para as piadas e adoro carregar o meu latão furado. Vou lhes contar o porquê: prestem atenção no caminho que eu faço, todos os dias, do rio para nossa casa – pediu a moça. – O que vocês vêem?
– Bem, eu vejo uma estrada de terra… – disse o irmão mais velho.
– Eu vejo uma estrada de terra bem bonita… disse o irmão do meio.
– Eu vejo uma estrada de terra, bonita e cheia de flores… – disse a irmã caçula.
– Isso mesmo, minha irmãzinha! Uma estrada de flores, flores de um lado só – completou Joana. – Flores que eu rego todos os dias com os pingos que vazam do meu latão furado, de que eu tanto gosto. Flores de que alegram o caminho dos viajantes e que enchem de cor a vida dos moradores da nossa cidade.
A partir daquele dia nunca mais ninguém riu do latão furado. E Joana, como não podia deixar de acontecer, ganhou outro apelido: Joana das Flores.
Patrícia Secco é escritora voltada para a literatura infanto-juvenil. Dentro do projeto Caravana das Artes, ministra a oficina Jovens Autores. Ela é parte do time de professores especializados em arte educacional do Instituto Mpumalanga, que desenvolve a metodologia da Caravana das Artes.
Comments