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Foto do escritorInstituto Mpumalanga

Literatura, Teatro, Música, Artes Plásticas e Esporte. Juntos. Fazendo acontecer.

Por Patrícia Secco, professora do Instituto Mpumalanga e escritora. 

A arena da Caravana do Esporte ganhou um novo espaço em Lauro de Freitas, Bahia: uma mini ramp de skate. E com ela vieram astros do esporte, como Sandro Dias, o Mineirinho, hexacampeão mundial, Sandro Testinha, responsável pelo projeto Social Skate, e outros, todos dispostos a apresentar às crianças do município um esporte que, apesar de ser o segundo mais praticado no país, perdendo apenas para o futebol, não é reconhecido como tal. Radical e urbano, o skate sofreu muito preconceito, com seus praticantes até mesmo comparados a marginais.

Mas nada mais desafiador do tomar esta pequena tábua de madeira com rodas e molejos e desbravar a selva de concreto dos espaços urbanos, cada vez menos convidativos e mais inóspitos. Assim, enquanto as cidades cresciam sem se preocupar com seus habitantes, ampliando suas fronteiras físicas e diminuindo espaços de convivência, skatistas deslizavam sobre o concreto, realizando manobras incríveis e corajosamente ocupando espaços esquecidos e abandonados, um tema tão interessante que se transformou no fio condutor da Oficina de Jovens Autores da Caravana das Artes.

Idealizada para fazer com que jovens alunos da rede pública se aventurem pelo universo da criação utilizando suas experiências de vida como matéria prima, decidimos, Alexandra Pericão e eu, professoras da oficina literária em Lauro de Freitas, aliar forças com o esporte, neste caso o skate, e mostrar aos jovens como é possível protagonizar mudanças, desde que elas partam de dentro de cada um.


Sandro Dias dedicou um bom tempo para contar sua história e compartilhar experiências com os alunos da Oficina Jovens Autores.

Sandro Dias dedicou um bom tempo para contar sua história e compartilhar experiências com os alunos da Oficina Jovens Autores.


O grupo participante da Oficina de Jovens Autores chegou quietinho, tímido, composto por 12 meninos e meninas que mal se conheciam, uma vez que as aulas na cidade haviam começado há apenas uma semana. Olhando para o chão e sem entender muito bem o que lhes seria apresentado, tiveram em sua primeira aula a oportunidade de participar de exercícios de ambientação, socialização e grounding, realizados em parceria com a Oficina de Jovens Comunicadores, o que os tornou mais seguros e auto-confiantes. Na sequência foram apresentados a uma palavra nova: ponto-de-vista.  Eles entenderam, naquelas primeiras horas de convivência, que ali poderiam se expressar como quisessem, e que não havia ponto-de-vista errado, apenas, diferente.

Receberam então cadernos e lápis e foram convidados a participar de uma atividade diferenciada: passariam a tarde na arena como repórteres, tomando notas, fazendo descobertas, e principalmente se preparando para entrevistar o Mineirinho. Foi deixado bem claro aos participantes que eram exatamente os diferentes pontos-de-vista que tornariam a entrevista interessante… e foi exatamente isso que aconteceu. Depois de assistirem abismados a uma incrível apresentação de skate na mini ramp, o hexacampeão se encontrou com os jovens e respondendo a perguntas variadas e bem estruturadas, falou de sua vida, carreira e experiências, passando pelo preconceito, força de vontade e perseverança. Muito simpático e atencioso, falou do papel das mulheres no esporte, deixando as meninas do grupo bastante animadas, e de maneira a fechar com chave de ouro, deixou claro que o skate tem uma máxima que vale para a vida de qualquer um: “com certeza haverá tombos, mas você precisa se levantar.”

No dia seguinte a turma voltou à sala de aula com a cabeça cheia de sonhos e vontades, mas sem muita certeza de como atingir objetivos ou mudar alguma coisa da realidade em que estavam inseridos. A professora Alexandra então, contou  uma linda história sobre escolhas, pois o livre arbítrio faz parte da vida de todos nós, preparando os alunos para assistirem, na sequência, ao filme de uma peça de teatro de minha autoria intitulada “O Beco”. Nesta peça o jovem protagonista, o sonhador Gilberto, que acabou de sair do ensino médio, enfrenta o preconceito contra o seu jeito de vestir e o seu inseparável skate. Gilberto faz amigos durante sua caminhada, jovens que como ele experienciam o preconceito todos os dias, a bailarina Caru, que sofre de uma doença autoimune, e Galisteu, um pichador cheio de vontade de se expressar.  Depois de muita conversa, desentendimentos e até algum preconceito entre eles, os jovens decidem se unir para fazer a diferença e mudar um beco fétido e esquecido, e transformando-o em um espaço cheio de vida, com muito grafite e esporte, um local de convivência e aprendizado a céu aberto.

Após a apresentação os alunos souberam que a história foi inspirada em fatos reais, e puderam verificar por meio de fotografias as mudanças que o “Beco do Aprendiz”, em São Paulo, sofreu com a intervenção da população, passando de um dos locais mais violentos da região a um dos mais festejados e queridos becos da cidade.  Analisaram uma carta do jornalista Gilberto Dimenstein sobre a ocupação de espaços urbanos, e incentivados pelas experiências da Oficina de Jovens Autores, fizeram uma lista, enorme, diga-se de passagem, com as coisas desagradáveis que eles gostariam de mudar no bairro em que vivem.


Jovens Autores ajuda os alunos a se comunicar melhor e expressar suas idéias. Assim, o discurso do jovem ganha força na sociedade.

Jovens Autores ajuda os alunos a se comunicar melhor e expressar suas idéias. Assim, o discurso do jovem ganha força na sociedade.


Alguma coisa precisava ser feita com a lista, e uma vez que havia no grupo alguns jovens interessados em música, sugerimos a criação de poemas musicados. Desta maneira, muito naturalmente, nasceram músicas, um rap, um funk e um raggae, apresentando cada uma delas problemas e mais problemas que os jovens esperavam ver solucionados, o que nos levou a repetir, com mais ênfase, que a mudança acontece quando tomamos a solução em nossas mãos. E assim as músicas ganharam novas estrofes que passaram a ser cantadas com força e com vontade, e as palavras “solução” e “educação” puderam ser ouvidas com grande destaque.

Por fim os jovens receberam a última tarefa: escrever uma carta às autoridades do município colocando-se à disposição para promover as tão sonhadas mudanças. Entretanto, com a tarefa veio o ceticismo. Ninguém no grupo acreditava que uma carta, escrita por jovens do 9o. ano de uma escola pública pudesse chamar atenção, mas para encorajá-los, apresentamos o vídeo da canadense Severn Susuki, que com 12 anos calou políticos do mundo inteiro ao falar do futuro incerto das crianças do mundo, durante a Eco-92, no Rio de Janeiro. Foi aí que os jovens alunos da oficina começaram a vislumbrar que poderiam fazer acontecer.

Por acaso ou determinação, os jovens se encontraram no jardim da escola para gravar uma entrevista sobre a oficina, e agora, cantando suas músicas com a cabeça erguida e o peito cheio da certeza de que a mudança mora dentro de cada um, chamaram a atenção de um funcionário que telefonou para a Secretaria de Educação, que por sua vez informou a Câmara… e em menos de uma hora eles estavam reunidos em um bate-papo informal, mas cheio de significado com as autoridades que eles julgavam tão distantes: a vereadora presidente da Câmara Municipal e o Secretário da Educação.

Sem vergonha alguma nossos jovens se juntaram ao Secretário da Educação Paulo Gabriel Nacif  em um encontro inesquecível e cheio de significado. Educadamente conversaram sobre suas aflições, e com calma e paciência ouviram sobre plano de governo, estratégias, e sobre o que o futuro próximo estava lhes reservando. Descontentes com as merendas, foram convidados a conhecer a cozinha central do município e as nutricionistas, solicitados a dar palpites e propor soluções; e ao reivindicarem por um espaço jovem, com segurança para que pudessem conviver tranquilamente, ficaram sabendo que o município implantaria nos próximos meses o período integral nas escolas, com esporte e arte fazendo parte importante da educação.

E assim que nos despedimos de Lauro de Freitas, com a certeza de ter aberto janelas, criado pontes e mostrado caminhos, cada um deles originados na experiência com a mini ramp, no skate, nas contações que fazem sonhar e nas histórias que nos incentivam a construir, cada um fazendo a sua parte, criando um mundo melhor para todos.

Agora quanto à carta… não houve tempo para ela, mas ficamos com as músicas, a dança e o sorriso no rosto dos nossos jovens que, com certeza, passaram o seu recado.

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