Na última Caravana das Artes, em Salvador, na Bahia, o projeto promoveu uma reunião especial. Quando o grupo de percussão Quabales encontrou a sonoridade da voz de Margareth Menezes, em pleno campo de várzea, no bairro de Pirajá, uma energia diferente parecia percorrer todas as pessoas naquele espaço. A energia da música e de quem faz música. Da arte e de quem vive com arte.
“Viver com arte é sentir, por que sentir? Quando eu toco violão e canto, eu coloco todas as minhas emoções pra fora, então quando eu estou no palco com eles, a gente se tem essa consideração de família, eu me sinto como se eu tivesse cantando com a minha família, uma família adotiva, mas a gente tem uma troca de energia muito grande no palco e ali são muitas sensações juntas, mas que a gente consegue compartilhar um para o outro”, traduz Carolina de Oliveira Santos, integrante do Quabales.
Com Margareth Menezes, Quabales mostraram poder transformador das artes. |Foto: Celia Santos/Instituto Mpumalanga
Quabales é um grupo de percussão que nasceu de um projeto social e ganhou o mundo encabeçado por Marivaldo dos Santos. Ele saiu do Nordeste de Amaralina, comunidade de Salvador, para tocar no reconhecido STOMP, um grupo de percussão há mais de 20 anos em cartaz na Broadway. A comunidade, no entanto, jamais deixou de fazer parte de sua vida e ele oportunizou o acesso à percussão e performance para outros meninos da região periférica da capital baiana.
Cláudio Henrique assistia da janela de casa a movimentações de latas e baldes do Quabales antes de entrar para o conjunto, que eles tanto gostam de chamar de família. “Eu parava na janela e ficava olhando e o professor chamava ‘entra ai’”, relembra.
“As oportunidades que surgem são muito diversas. Em Salvador, Bahia, não é diferente de muito lugares. Tem muito perigo, muita violência, mas a gente traz um som, traz musicalidade. A gente pega a tampa e uma lata que está jogada na rua e faz um som e faz uma performance”, ressalta Cláudio, que hoje compartilha da oportunidade que lhe fora dada com outras crianças, certo da transformação promovida pelo contato com arte.
Cláudio é um dos meninos do Nordeste de Amaralina que foi transformado pela arte do Quabales. | Foto: Celia Santos/Instituto Mpumalanga
“Apesar de sermos grandes, sermos adultos, eu, por exemplo, tenho uma criança dentro de mim, então me senti ali com eles, com a mesma energia, trocando a sintonia, mostrando um pouco do meu conhecimento para eles, vendo no olhar verdadeiro que as crianças têm. Eu me senti muito lisonjeado de estar aqui”, foram as palavras de Tiago Ferreira, mais um integrante do Quabales.
A palavra gueto designa um grupo de pessoas que preservam algo em comum, nasceram no mesmo bairro ou compartilham um mesmo estilo. Essa palavra ganhou designação bastante pejorativa com os “guetos” cuja característica em comum era a violência. Em Salvador, existem muitos guetos. Alguns, contudo, resguardam o significado original. Se o gueto nasce da exclusão da sociedade, ele pode se juntar pela música. O Quabales é um grupo que nasceu em meio os guetos para provar que a música pode ser o elo entre pessoas de uma mesma família.
Na família Quabales quem reside é a arte.
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