”Em vista destas considerações, o requerente, Policarpo Quaresma, usando do direito que lhe confere a Constituição vem pedir que o Congresso Nacional, decrete o idioma indígena tupi-guarani como língua oficial do povo brasileiro.”
O ideal de brasilidade do famoso personagem de Lima Barreto, em O Triste Fim de Policarpo Quaresma, era tamanho, que no auge do seu nacionalismo ele chegou a pedir ao Congresso Nacional para decretar o tupi-guarani como língua oficial da nação brasileira. A ‘libertação idiomática’ que tanto sonhara Quaresma jamais aconteceu. Aliás, esteve muito longe das pretensões do fanático brasileiro.
O português sequer foi ameaçado como língua oficial do Brasil, porém o tupi-guarani e os demais idiomas indígenas perderam grande parte de seus falantes com o tempo. Hoje, para dissabor de Quaresma, são menos de 160 línguas indígenas em território nacional. Um número ínfimo se considerarmos os 1175 idiomas falados pelos índios no ano do descobrimento, em 1500.
Manutenção da cultura e língua indígena é desafio atualmente (Foto: Célia Santos)
A extinção das línguas indígena é uma das grandes preocupações no que diz respeito à preservação dessa cultura. Os índices são mais alarmantes se considerarmos o número de falantes, pois metade das poucas línguas sobreviventes conta com menos de 500 representantes.
Dentro das próprias comunidades indígenas é possível notar alguns fatores que colaboram com a extinção da cultura. São minoria os conhecedores da língua materna de algumas tribos e, por vezes, esses correspondem aos representantes mais velhos da aldeia, que não conseguiram transmitir essa sabedoria às novas gerações. Além disso, pode ocorrer um processo de isolamento, uma vez que essa minoria perde representatividade ao não saber se comunicar em português.
“Um estudo da Unesco aponta vários fatores de ameaça à língua. Pode, de fato, haver várias razões, porém algumas estão quase sempre presentes. A língua minoritária é um exemplo no caso do Brasil. É um povo pequeno dentro de um país enorme e com uma língua mais forte, que é o português. Sem falar na quantidade de povos e etnias”, explica a antropóloga Mirella Poccia.
Das poucas línguas remanescentes no Brasil atualmente, 40 têm menos de uma centena de falantes. Algumas já estão com gravíssimo risco de extinção, pois se limitam a menos 20 pessoas capazes de se expressar pela língua materna. O idioma é a arte de expressão de um povo. De modo que sua extinção provoca um dano irreparável no estudo de determinada cultura. “É como jogar uma bomba no Museu Louvre”, compara o linguista norte-americano Kenneth Hale, do Instituto de Tecnologia de Massachussets.
Muitas vezes, o conhecimento da língua materna se restringe aos integrantes mais velhos da tribo (Foto: Célia Santos)
A perda cultural também é consequência de fatores políticos, uma vez que a expressão é uma forma de poder e a busca por maior representatividade na sociedade contribui para o desaparecimento da língua minoritária. “A integração nacional ameaça a língua com a sociedade envolvente. Quanto mais se estabelece contato, os indígenas veem o português como uma forma de conquistar espaço, uma ferramenta de poder. Essa integração com a sociedade envolvente leva-os a abandonar elementos tradicionais. Em alguns casos, os próprios pais incentivam os filhos a aprender o português para que eles ganhem mais espaço. Eles começam a acreditar que a língua materna mais atrapalha do que beneficia”, acrescenta a especialista.
Em termos históricos, a política influiu na ascensão do português em detrimento dos idiomas nativos. Na segunda metade do século XVIII, quando Portugal ditava as leis brasileiras, Marquês de Pombal, representante do Estado lusitano, decretou o português como língua oficial do Brasil, instituindo assim a proibição de se expressar por outros idiomas no território pertencente à Coroa portuguesa. Era uma estratégia para erradicar os costumes locais e facilitar o domínio dos povos. “A língua é um instrumento de dominação. A proibição da língua é uma forma de dominação bastante imponente”, comenta Mirella.
Nas escolas indígenas é obrigatória a alfabetização no idioma materno, que ocorre em paralelo com o ensino do português. Todavia, em muitas tribos o ensino se limita ao fundamental. Aqueles que decidem seguir nos estudos migram para centros urbanos. Os mais novos ignoram o interesse pela cultura ancestral quando o contato com pessoas de fora da tribo é mais intenso. “Aqueles que se deslocam para o município para continuar os estudos acabam abandonando a língua, perdem inclusive a fluência. Ocorre o afastamento do núcleo”, afirma a antropóloga.
Em paralelo, outros fatores são responsáveis pela extinção linguística como o desmatamento, a perda de terras e o avanço de centros urbanos. A documentação pode ser uma saída para a preservação de uma cultura, não apenas em termos históricos, mas para a reprodução dentro das próprias comunidades e o consequente aumento de afeição com o idioma.
Para Mirella Poccia, a resposta está em uma postura mais atuante dos próprios indígenas em defesa das tradições. “A solução está no protagonismo dos próprios indígenas. Além da obrigatoriedade, deve haver um incentivo para a formação de professores. Eles próprios devem trabalhar para preservar essa cultura. Claro que também deve haver uma valorização por parte do Estado Nacional. Valorização linguística e cultural”, reforça.
A Caravana das Artes, projeto que segue a metodologia do Instituto Mpumalanga, irá visitar a cidade de Lábrea, no Amazonas, fortemente marcada pela presença de indígenas. Tribos mais afastadas também estão na rota do projeto, que pretende levar a arte como ferramenta de educação nessas comunidades, além de promover a valorização das tradições locais.
Sobrevivência da cultura também depende da atuação dos próprios indígenas com uma trabalho de valorização transmitido as novas gerações (Foto: Célia Santos)
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