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Joana encontra contento para as mãos entre os assurini

Dedos sujos de carvão se entrelaçavam sem rumo. Rodavam uns entre os outros repetindo os movimentos de um pensamento distante. Essas mãos tinham destreza e eram donas de um capricho inigualável. Eram as mãos de Joana.

A jovem estava tranquila, sentada em uma mesa central no seu estande, e parecia profunda em pensamentos. Expressão tão concentrada que não demonstrava escutar a confusão de vozes do público que caminhava na área destinada aos artesanatos dentro da Vila dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.

Nas prateleiras, diversos animais talhados cuidadosamente em madeira. Eram quatis, tatus e “peremas”. “Vocês chamam de tartaruga”, explica Joana no primeiro franzir de sobrolhos. Ela desperta do estado introspectivo para atender os curiosos sorridente.

Veste uma bermuda jeans e camisa preta. As pernas estão inteiramente marcadas pelo negro da mistura do jenipapo com carvão, utilizada pela grande maioria dos indígenas. A pintura representa o casco do jabuti e é idêntica a de sua filha. Agita-se inquieta em uma cadeira a pequena Sahya, de nove anos. Incapaz de permanecer parada, ela tem todo o corpo cuidadosamente pintado pela mãe, cujos dedos sujos não deixam dúvidas sobre quem fora a artista corporal.


Sahya em um dos raros momentos em que não corria e agitava-se pelo estande aos cuidados da mãe. (Foto: Celia Santos)

Sahya em um dos raros momentos em que não corria e agitava-se pelo estande aos cuidados da mãe. (Foto: Celia Santos)


A menina de longas traças, que caem pela fronte dos ombros, veste-se com saia de palha e tem amarras da mesma palha nos calcanhares. Os colares, de tão compridos, atingem a cintura. São de “apuaysa”, pedrinhas pretas, combinadas com outro tipo alaranjado. O nome das pedrinhas gerou certa confusão gramatical com a jornalista inábil ao vocabulário indígena. Então, Joana tomou posse da caneta. Com um movimento sutil de quem pede licença em silêncio, escreveu as sílabas que causavam dúvida com uma caligrafia arredondada e delicada. Usou a mesma estratégia da caneta e o papel para ditar o nome do marido: Toriaiwa.

Ele pertence a aldeia assurini, localizada do estado do Pará. Joana não carrega nenhum nome indígena, mas tem consigo uma história similar a roteiro de diretor engenhoso, porém nada mais é do que obra não-ficcional da realidade, na qual a não indígena encontrou seu amor e a si própria na aldeia.

O encontro, no entanto, foi bem distante da floresta. Na faculdade, onde Joana cursava Educação Física e Toriaiwa, pedagogia, se conheceram. Ambos têm a ânsia pelo conhecimento e foi no ambiente acadêmico que eles despertaram a vontade de trilhar juntos. Hoje, além de graduada em educação física, Joana é mãe de Toinawa, Sahya e Bituiwa, professora na comunidade indígena, estudante de pedagogia e exemplo de vida.

“Eu gosto muito de criança e gosto muito de ensinar. Agora estou estudando pedagogia e posso levar ainda mais coisas para as crianças da aldeia”, explica Joana. “Na escola indígena eu dou as aulas para as crianças e também conto histórias. Eu gosto de contar a da cinderela, mas eles gostam mesmo são das histórias indígenas”, completa a professora.


Joana abandonou a vida na cidade para viver com a nova família: indígena e feliz. Graduada, ela se mostra habilidosa no artesanato e nas artes de sua aldeia. (Foto: Celia Santos)

Joana abandonou a vida na cidade para viver com a nova família: indígena e feliz. Graduada, ela se mostra habilidosa no artesanato e nas artes de sua aldeia. (Foto: Celia Santos)


A interação entre o universo dos não indígenas e dos indígenas é cada vez maior. Os moradores da floresta preservam tradições seculares, porém não deixam de absorver tecnologias e influencias do mundo globalizado. “Eu passo alguns desenhos no Datashow. Eles adoram a Peppa”, conta fazendo referência a Peppa Pig, porquinha rosa sucesso no mundo dos pequenos.

Quando a mudança da vida em sociedade para assumir a cultura indígena, Joana vê a transição com tranquilidade. “Não senti muita diferença, porque onde eu vivia, no Pará, a cultura deles é muito próxima”, justificou. Joana ficará no estande com os filhos até o final dos Jogos, onde o marido representa os assurini no cabo de guerra.

A não indígena Joana hoje conhece como poucos a cultura que aprendeu a chamar de sua. Não somente fala algumas palavras na língua materna, como ensina e incentiva a preservação das tradições na tribo.  Na aldeia, ela encontrou os instrumentos que lhe faltavam para satisfazer a inquietude das mãos, ávidas por arte e para a alma, realizadas com a cultura indígena.

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