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Foto do escritorInstituto Mpumalanga

Professora usa quadrilha como elemento de identidade sertaneja

O Sol parecia ser o único ator daquele Sertão, mas foi perdendo o cargo de protagonista para assumir seu mero espaço no cenário. De início, era só um zunido de moscas que cortava o silencio, mas aos poucos o ambiente foi ganhando um burburinho de novidade.

De vestido bem cintado, mangas compridas de renda, cabelos amarrados com esmero e sandálias afiveladas, Natiely Oliveira vinha montada em sua moto, como que moderno romance de cavalaria. Chegava para se juntar a um grupo de jovens onde as vestes não a deslocavam. Todos tinham vestimentas coloridas e trocavam sussurros para alhear o calor.


Roupa de quadrilha é farda de sertanejo forte, que vence o Sol e mantém cultura viva. (Foto: Celia Santos)

Roupa de quadrilha é farda de sertanejo forte, que vence o Sol e mantém cultura viva. (Foto: Celia Santos)


O que estava por vir, entretanto, nada tinha de Cervantes. Estava mais para Graciliano, Gonzaga ou Suassuna. Era o Nordeste, de tantas expressões culturais e que, no distrito de Maniçoba, região mais afastada de Juazeiro, na Bahia, encontrou alento na quadrilha. O sinal de internet não atinge a escola, enraizada nas tradições.

Para chegar até a região, onde fica a Escola 02 de Julho, é preciso pelo menos 40 minutos de paisagens amiúde pela caatinga ou lavoura irrigada, nada além. Um dos primeiros aprendizados a que se contenta um visitante é que não procure crédito no entorno da paisagem, pois o valor daquelas terras é guardado no interior de cada morador, que desde muito cedo reserva o ímpeto ao caráter e o sertanejo à nacionalidade. As mazelas da seca, aqui, chamam-na de desafios.

“Em terra de sofrimento e sequidão, a Luar faz brotar e chover alegria no Sertão”

As insígnias do plano de fundo da quadrilha denota o lema local. O grupo de A Luar do Sertão faz uso de falas rimas, poesia, interpretação e, claro, a dança para promover esse florescimento de felicidade tão anunciado. A tradição das festas de São João marcam a cultura local e os festejos não se limitam aos dias de junho, embora a farra seja maior nessa época. Se for preciso vestir as fantasias coloridas no período de Sol forte, nada detém o sertanejo por trás da graciosa farda.


Quadrilha é refúgio dos jovens moradores de Maniçoba. A tradição traz o resgate da identidade cultural local. (Foto: Celia Santos)

Quadrilha é refúgio dos jovens moradores de Maniçoba. A tradição traz o resgate da identidade cultural local. (Foto: Celia Santos)


Em meio ao grupo de jovens, Ruzia do Nascimento Lima se destaca, não apenas pela desenvoltura em cena, mas também pela estima recebida dos demais integrantes do grupo. Aos 36 anos, ela é a gestora da escola e responsável por trazer a tradição da quadrilha para dentro do ambiente educativo.

A quadrilha sempre esteve presente na vida de Ruzia. Ela se lembra com carinho dos momentos em que assistia os pais dançarem e nunca deixou de acompanhar a farra dos meses de início de inverno. Com 18 anos, entrou para o grupo de quadrilha local, mas já nessa época se dividia com as atividades na escola, onde trabalhava na alfabetização das crianças. A divisão virou união quando a professora resolver trazer a dança para dentro da escola.

“A comunidade não tem cinema ou casa de cultura. Tem sim são muitos bares. Eu sentia essa necessidade quando era adolescente, de ter lugar”, explicou a atual diretora da Escola 02 de Julho. Hoje o grupo de dança age como um elemento de cultura e regionalismo. “O forró e a chanchada estão na veia do nordestino. Temos Luiz Gonzaga, a tradição e o regionalismo”, acrescentou.

Fazer parte da quadrilha, todavia, exige mais que habilidades artísticas. É preciso ser sertanejo, no sentido mais pujante que se tem notícia em Maniçoba. Além de enfrentar o calor para dançar, os integrantes do grupo reúnem grandes esforços para viabilizar as apresentações do ponto de vista financeiro. Cada vestimenta custa em média 300 reais. Os familiares arcam com uma parte desse valor, enquanto os jovens organizam rifas e pedem ajuda no comércio local, tudo com o auxílio da diretora. “São bons meninos, eu tenho muito orgulho deles. Aqui o povo tem muito garra, não desiste, tem fé e acredita”, vibra Ruzia.

A força sertaneja de que tanto se fala é notada no comportamento dos educadores da Escola 02 de Julho, que parecem disseminar a característica tão evidente na gestora da escola. Ela explica que para algumas pessoas a rigidez pode soar pejorativa, no entanto, trata-se de um modo peculiar de vida no Sertão, uma maneira de preparar os cidadãos para os problemas que hão de vir. “E hão de ser superados”, reforça com convicção.

A Escola 02 de Julho e Ruzia têm histórias muito próximas. A gestora que hoje é exemplo por trazer a dança como elemento cultural e educacional já esteve na posição de aluna.  “Antes eu me referia a minha escola, depois que fui eleita gestora passou a ser nossa escola”, comentou a diretora.


Valente, Ruzia aprendeu a enfrentar os problemas com rigidez e perseverança. Essa força ela transmite aos alunos. (Foto: Celia Santos)

Valente, Ruzia aprendeu a enfrentar os problemas com rigidez e perseverança. Essa força ela transmite aos alunos. (Foto: Celia Santos)


Nascida no município de Barreiras, a 800 quilômetros de Juazeiro, Ruzia chegou a Maniçoba com a família ainda pequena, em virtude dos atrativos do processo de irrigação pelas águas do Rio São Francisco. O distrito está dentro do perímetro irrigado e se destaca na produção de manga.

Filha de agricultor, Ruzia sempre teve interesse pela lavoura, por isso alimentou durante muito tempo a vontade de cursar tecnologia agrícola. A relação com a escola, porém, tornou-se mais profunda do que o esperado. “Fui para no magistério por acidente, mas acabei me apaixonando”, relata a professora, que começou a trabalhar na alfabetização de crianças com 16 anos.

A relação de amor com a escola se iniciou polvorosa. O espírito de liderança da futura professora se confundia com indisciplina nos primeiros anos escolares, mas foi justamente uma educadora que a mostrou o caminho dos estudos. “Aquela professora me transformou em uma aluna que gosta de estudar. Eu tinha dificuldade de aprendizado, era ansiosa, sou bastante até hoje, isso me prejudicava, mas ela me mostrou que eu podia”, afirmou Ruzia, que hoje cumpre esse papel na escola, transformando rebeldia em liderança.

“É gratificante poder ser como minha professora da segunda série”, acrescentou. A diretora mantém um diálogo franco com os estudantes, não os deixa esmorecer e forma sertanejos tão fortes quanto à caatinga.

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